Análise de dados de desmatamento na Amazônia
Introdução
Recentemente os principais jornais do Brasil e do mundo noticiaram um aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia a partir de dados divulgados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O tema gerou polêmicas envolvendo o atual presidente Jair Bolsonaro, o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o agora ex-diretor do órgão, Ricardo Galvão. Os governistas questionaram a veracidade das informações, incendiando a discussão que culminou na demissão de Galvão.
Não somente o INPE, mas outras insituições que monitoram a perda de cobertura vegetal na Amazônia brasileira dispararam alertas para a elevação nas taxas de desmatamento - como o Imazon e a Nasa - e a discussão em torno do assunto prosseguiu para além do território brasileiro.
O embate entre o INPE e o Governo Federal
Os dados divulgados no início de agosto pelo INPE a partir do sistema DETER indicou que a área desmatada na Amazônia brasileira teve um aumento de 278% em relação a julho de 2018, somando 2.254 km² [1]. Considerando o acumulado no período de agosto de 2018 a julho de 2019 os alertas indicaram um aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano anterior (agosto de 2017 a julho de 2018). Acompanhando o aumento no número de alertas de desmatamento, o INPE também apontou um aumento expressivo nos focos de incêndio na região Amazônica [2], o que é esperado, considerando que há correlação entre desmatamento e focos de incêndio [3]. A divulgação dos dados foi questionada pelo atual presidente, que acusou o Inpe de divulgar dados que não condiziam com a realidade [4]. O ministro Ricardo Salles também questionou a confiabilidade do que foi exposto pelo órgão, e atribuiu o aumento dos incêndios à ocorrência de tempo mais seco que o normal [5].
A busca pelos dados
O assunto envolvendo a Amazônia tomou conta das redes sociais, que ficaram carregadas de informações distorcidas sobre o tema [2]. Como aqui busco defender o conceito de análise replicável, fui em busca dos dados originais disponibilizados pelo INPE para gerar minhas próprias análises e interpretações.
Apesar do dashboard disponível na plataforma TerraBrasilis permitir visualização e análise dos dados do DETER, estes são disponibilizados apenas para o período de 1 ano, o que impede que possamos comparar os dados recentes com os obtidos em anos anteriores. Por esta razão, resolvi buscar dados em outra fonte.
O Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon
O Imazon é uma instituição de pesquisas sem fins lucrativos, qualificada pelo Ministério da Justiça, e que realiza o monitoramento da Amazônia Legal pelo uso de imagens de satélites que reportam mensalmente o ritmo do desmatamento e da degradação florestal na região por meio do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). No site ImazonGeo estão disponíveis os dados mensais de desmatamento e degradação florestal desde 2008. É importante salientar que o SAD somente detecta áreas de desmatamento superiores a 1 hectare e que apesar de ambos monitorarem o desmatamento na Amazônia, os dados do SAD não são comparáveis aos do DETER, devido a diferenças metodológicas. As detecções do SAD são realizadas somente para áreas de floresta primária, ou seja, florestas que nunca sofreram perturbações significativas, enquanto o DETER é um sistema de alertas que avalia alterações na cobertura florestal, servindo de suporte para órgãos de fiscalização ambiental. Maiores informações sobre o método adotado no SAD podem ser obtidos aqui.
Obtendo dados climáticos da Amazônia Legal
Para complementar a análise, consolidei dados de estações meteorológicas do Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O banco abriga dados meteorológicos diários em forma digital, coletados por meio das estações meteorológicas convencionais da rede de estações do INMET, de acordo com as normas técnicas internacionais da Organização Meteorológica Mundial [6]. O procedimento de consolidação dos dados foi simples: a partir dos registros diários das estações instaladas nos Estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Roraima e Rondônia (somando 47 estações) foi obtida a precipitação mensal média para cada mês-ano, considerando os dados de todas as estações. O procedimento de obtenção dos dados pode ser acessado aqui.
Analisando os dados do SAD
Os dados de desmatamento disponibilizados pelo SAD estão em formato shapefile e foi necessário algum trabalho computacional para compilá-los em uma tabela, já que os arquivos são separados mês a mês. Fiz o download de todos os meses compreendidos entre agosto de 2009 e julho de 2019, totalizando 10 anos de análise ou 120 meses. Isso foi possível graças ao programa R, e todo o procedimento desenvolvido para compilação dos dados em uma única tabela está disponível em meu repositório pessoal no GitHub (clique aqui para acessar).
Vamos então às análises. Mas não sem antes recomendar que você leia o post em que explico por que apresento os scripts de análises ao longo das postagens e a importância das análises replicáveis (clique aqui).
Ao visualizar a série histórica dos dados mensais de desmatamento do SAD, alguns padrões já nos saltam aos olhos. O primeiro que podemos elencar é que o mês de julho de 2019 registrou o maior acúmulo de área desmatada em um único mês para toda a série histórica, e isso já explica boa parte da discussão levantada nas últimas semanas. Outro ponto importante é que há uma clara tendência na formação de picos ascendentes na taxa de desmatamento desde 2012.
Os picos ocorrem geralmente entre os meses de junho e julho, que coincide com o período do ano de menor pluviosidade na região. No entanto, não há alterações visíveis no padrão de chuvas ao longo dos 10 anos de análise, indicando inexistência de períodos mais secos, e que portanto, não parece haver entre o clima e o aumento na quantidade de focos de incêndio detectados pelo INPE.
# Importar a base de dados do SAD
dados_desmatamento <- readr::read_table('https://raw.githubusercontent.com/sergiocostafh/desmatamento_sad_imazon/master/dados_sad.txt', col_names = c('ANO','MES','AREA'), skip = 1)
dados_precipitacao <- readr::read_table('https://raw.githubusercontent.com/sergiocostafh/desmatamento_sad_imazon/master/serie_precipitacao_amazonia_inmet.txt', col_names = c('date','prec'), skip = 1)
dados_precipitacao$date <- as.Date(dados_precipitacao$date)
# Criar coluna Mês - Ano
dados_desmatamento$`MES ANO`=as.Date(paste0(dados_desmatamento$ANO,'-',dados_desmatamento$MES,'-01', sep=''))
# Comparação julho 2019/julho 2018
# round(1-dados_desmatamento$AREA[119]/dados_desmatamento$AREA[107], 3)*-1
# Comparação junho 2019/julho 2018
# round(1-dados_desmatamento$AREA[118]/dados_desmatamento$AREA[106], 3)*-1
# Carregar pacotes necessário para geração dos gráficos
library(ggplot2)
library(cowplot)
# Plotar série histórica de desmatamento mensal
ggplot()+
geom_line(aes(x=dados_desmatamento$`MES ANO`, y=dados_desmatamento$AREA, color = 'Desmatamento'),size=1)+
geom_bar(aes(x=dados_precipitacao$date, y=dados_precipitacao$prec*2,
fill = 'Precipitação'),stat = 'identity', alpha = .3, color = NA)+
scale_x_date(expand = c(0,0), limits = c(as.Date('2009/01/01'),as.Date('2019/12/31')) ,breaks = 'year',
date_labels = '%Y', minor_breaks = NULL)+
scale_y_continuous(expand = c(0,0), limits = c(0,1500),
breaks = seq(0,1500,250),
sec.axis = sec_axis(~./2, name = 'Precipitação acumulada (mm/mês)'))+
scale_color_manual(name = NULL ,values = c('gray30'))+
scale_fill_manual(name = NULL ,values = c('steelblue'))+
xlab(NULL)+
ylab('Desmatamento detectado (km²)')+
labs(title = 'Área desmatada na Amazônia Legal',
subtitle = 'Acumulado mensal',
caption = 'Fonte de dados: SAD - Imazon (2019) e BDMEP - Inmet (2019)')+
theme_cowplot()+
theme(legend.position = 'bottom',
plot.title.position = 'plot',
plot.caption.position = 'plot')+
annotate(geom='text', size = 3.5,
x=dados_desmatamento$`MES ANO`[c(1,13,21,39,49,59,72,82,95,106,119)],
y=dados_desmatamento$AREA[c(1,13,21,39,49,59,72,82,95,106,119)]+50,
label=format.Date(dados_desmatamento$`MES ANO`[c(1,13,21,39,49,59,72,82,95,106,119)],'%b %Y'))
Se tomarmos por base a área desmatada no mês de julho de 2018 (758 km²) e compararmos ao mesmo mês de 2019 (1.287 km²), constataremos que houve um aumento de 70%. Esta análise exige cuidado pois pode gerar interpretações tendenciosas quando avaliada isoladamente. Um exemplo disso, é que se fizermos a mesma observação sobre o mês de junho, em que a área desmatada somou 1167 km² e 801 km² para 2018 e 2019 respectivamente, o resultado será uma redução de 31,4%.
O fato é que para podermos interpretar os dados de desmatamento de maneira mais consistente, precisamos avaliar o acúmulo de área desmatada em períodos maiores.
O gráfico seguinte apresenta a área total desmatada detectada pelo SAD entre os meses de janeiro e julho e a série histórica de desmatamento entre janeiro e dezembro do PRODES e do SAD, desde 2010. Assim como o DETER, os dados do PRODES não devem ser comparados diretamente com os dados do SAD por diferenças metodológicas - o PRODES calcula o desmatamento entre 1º de agosto de um ano 31 de julho do ano seguinte, e considera não somente áreas primárias de vegetação, mas também secundárias [7] - mas é possível observar a mesma tendência de elevação no desmatamento a partir de 2012/2013.
# Calcular área desmatada acumulada até julho
acumulado_julho <- subset(dados_desmatamento,as.integer(dados_desmatamento$MES)<=7)
acumulado_julho <- aggregate(acumulado_julho$AREA, by = list(ANO = as.integer(acumulado_julho$ANO)), sum)
acumulado_ano <- aggregate(dados_desmatamento$AREA, by = list(ANO = as.integer(dados_desmatamento$ANO)), sum)[-c(1,11),]
# Dados do PRODES
dados_prodes <- readr::read_table('https://raw.githubusercontent.com/sergiocostafh/desmatamento_sad_imazon/master/dados_prodes.txt')
##
## ── Column specification ────────────────────────────────────────────────────────
## cols(
## `Ano/Estados` = col_double(),
## AC = col_double(),
## AM = col_double(),
## AP = col_double(),
## MA = col_double(),
## MT = col_double(),
## PA = col_double(),
## RO = col_double(),
## RR = col_double(),
## TO = col_double(),
## AMZ_LEGAL = col_double()
## )
dados_prodes <- subset(dados_prodes,dados_prodes$`Ano/Estados`>=2010)
# Plotar gráfico
ggplot()+
geom_line(aes(x=acumulado_ano$ANO,y=acumulado_ano$x, linetype = 'Acumulado anual (SAD)', color = 'Acumulado anual (SAD)'))+
geom_line(aes(x=acumulado_julho$ANO,y=acumulado_julho$x, linetype = 'Acumulado até julho (SAD)', color = 'Acumulado até julho (SAD)'))+
geom_line(aes(x=dados_prodes$`Ano/Estados`,y=dados_prodes$AMZ_LEGAL, linetype = 'Acumulado anual (PRODES)', color = 'Acumulado anual (PRODES)'))+
geom_point(aes(x=acumulado_ano$ANO,y=acumulado_ano$x, shape = 'Acumulado anual (SAD)', color = 'Acumulado anual (SAD)'))+
geom_point(aes(x=acumulado_julho$ANO,y=acumulado_julho$x, shape = 'Acumulado até julho (SAD)', color = 'Acumulado até julho (SAD)'))+
geom_point(aes(x=dados_prodes$`Ano/Estados`,y=dados_prodes$AMZ_LEGAL, shape = 'Acumulado anual (PRODES)', color = 'Acumulado anual (PRODES)'))+
scale_x_continuous(breaks=seq(2009,2019,1), minor_breaks = NULL)+
scale_y_continuous(expand=c(0,0),limits = c(0,8000), breaks = seq(0,8000,1000))+
scale_linetype_manual(name = NULL, values = c('dashed','dotted','solid'))+
scale_shape_manual(name = NULL, values = c(1,2,3))+
scale_color_manual(name = NULL, values = c('black','black','black'))+
xlab(NULL)+
ylab('Desmatamento detectado (km²)')+
labs(title = 'Área desmatada na Amazônia Legal',
subtitle = 'Acumulado anual e de janeiro a julho',
caption = 'Fonte de dados: SAD - Imazon (2019) e PRODES - Inpe (2019)')+
theme_cowplot()+
theme(legend.position = 'bottom',
plot.title.position = 'plot',
plot.caption.position = 'plot')
Os dados do SAD apontam que em 2018 foi atingida a máxima da série para o acumulado anual. Em 2019 a área acumulada para o período janeiro-julho se encontra no mesmo patamar de 2018. Essa análise permite inferir que em 2019 teremos uma taxa similar a 2018 ou mesmo maior, caso a tendência de julho do ano corrente - em que observou-se a máxima histórica do período sob análise - se mantenha para os próximos meses.
Conclusões
Esta breve análise, permite algumas conclusões:
1. Em julho de 2019 a série de desmatamento detectado pelo Sistema de Alertas de Desmatamento do Imazon alcançou sua máxima histórica, considerando a cobertura vegetal primária perdida no período de um mês.
2. Não há ocorrência de períodos mais secos na Amazônia Legal que justifiquem aumento nos focos de incêndio apontados pelo INPE.
3. Há uma tendência de aumento nas taxas de desmatamento iniciada após o ano de 2012.
4. As análises sugerem que o acumulado anual de 2019 pode alcançar o mesmo patamar de 2018, ou até mesmo atingir uma nova máxima histórica.
5. Apesar de não comparáveis diretamente, os dados do PRODES e do SAD apontam tendências similares.